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É apologia, sim.

A prisão de cinco pessoas, autuadas por apologia das drogas, em Laranjeiras, está sendo criticada por advogados, que classificam o ato hipócrita e autoritário. Segundo um deles, entrevistado por O Globo, "convocar pessoas para discutir se é conveniente ou não o uso de maconha, nada tem a ver com a lei à apologia de drogas'. Acontece que o ilustre advogado se vale de um eufemismo, para não dizer, uma prestidigitação - ninguém vai discutir nada em uma passeata. A idéia é, justamente, promover a liberação do uso da droga, proibida por lei, com cartazes e palavras de ordem a favor, e nenhum contraditório. Onde então, está a "discussão"?

É certo que desde tempos imemoriais, o ser humano utiliza-se de certas substâncias com o objetivo de criar estados alterados da mente e daí retirar satisfação pessoal. É evidente que a prática se relaciona intimamente com a busca do prazer ou de alívio para determinados tormentos emocionais. O problema é que algumas pessoas quanto mais usam uma droga que lhes é agradável mais querem repetir a experiência, incorrendo no vício e dependência, física e/ou psicológica. Depois de um certo tempo, fatalmente sobrevêm as doenças e o desfecho comum é a morte. As pessoas minimamente informadas reconhecem este processo, e sabem que ele acontece com frequencia, mesmo com as chamadas drogas toleradas, como é o caso do alcoól.

Nomes famosos da literatura, do cinema, da música, das artes plásticas, enfim, de todas as áreas da atividade humana que exigem muito do intelecto encontraram nas drogas tanto um indutor de inspiração, como um refúgio ilusório para as suas angústias existenciais. Os exemplos são muitos, criando em torno da droga uma aura de charme e atração quase irresistível pelo forte apelo e aceitação pelas camadas mais privilegiadas da sociedade. A inspiração e melhora do racicionício são, como se sabe, falsos como uma nota de 3 reais. As crises emocionais e a falta de consistência profissional são, normalmente, os responsáveis pela corrida às drogas, com as consequencias já conhecidas.

Contudo, até agora, a letra da lei é clara e, como tal, não pode ser transgredida, seja pelo artista, intelectual, político ou quem quer que seja. A apologia e incitação ao crime estão previstos nos artigos 286 e 287 do Código Penal Brasileiro, com pena de detenção de 3 a 6 meses e multa. O parágrafo 2º, do artigo 33, da Lei 11.343, apelidada Lei Anti-drogas, qualifica como crime "Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga", passível de pena de um a três anos de reclusão, mais multa.

Segundo artigo do Desembargador Nilo Ramalho Vieira, "para que o crime seja típico é necessário que a infração seja descrita com todas suas circunstâncias, indicando a conduta que elogia ou incentiva fato criminoso ou o autor do crime em lugar público, isto é, dirigida ou presenciada por número indeterminado de pessoas. " Ora, distribuir panfletos convidando a participar de passeata pela descriminalização da maconha não é algo tão inocente como distribuir um flyer para um show no Circo Voador. Configura-se, claramente, na incitação ao uso pela implícita aceitação do consumo. Trata-se, pois, de afronta aos princípios e leis citadas, e merece uma reação adequada, como a prisão e enquadramento dos infratores. A falta de rigor pelas autoridades e as "vistas grossas " com essas e outras ações só tem resultado na escalada sem precedentes do consumo de drogas, tanto lícitas quanto ilícitas. Enquanto isso, a marginalidade ganha terreno na valorização da figura do delinqüente e aumenta a impunidade em função dos enormes lucros da atividade serem distribuidos entre traficantes, agentes públicos, políticos e figuras de destaque na sociedade, em clara agressão ao Estado de direito.

A ameaça não é pequena. A maconha não é essa coisa inofensiva que se apregoa e quer descriminalizar. Ela é uma das chamadas "gateway drugs" (droga de entrada) - o THC (tetrahidrocanabinol, o seu princípio ativo) causa um estimulo no cérebro, aumentando os níveis de dopamina, um neurotransmissor natural dos centros do prazer, numa região chamada sistema límbico - e torna os indivíduos mais suscetíveis a usar drogas mais pesadas pela necessidade crescente de satisfação e do vício despertado com a iniciação. Além disso, o uso da maconha causa sérios danos à saúde física e psíquica do usuário, especialmente nos mais jovens, tais como taquicardia, falta de memória e atenção, redução de testosterona, diminuição na capacidade de aprendizagem e memorização, indolência e muitos outros prejuízos, comprometendo o organismo, por vezes de forma irremediável, visto que ainda em processo de desenvolvimento.

A despeito disso, o consumo de maconha cresceu enormemente entre adolescentes, elevando o volume consumido no Brasil a mais de 700 toneladas por ano, sendo cada vez menor a idade inicial de consumo, atingindo hoje crianças entre 10 a 12 anos. Um quadro, portanto, aterrador e aterrorizante.

Como cidadão, não aceito ser conivente e partidário de qualquer tipo de movimento, que busque divulgar e/ou descriminar as drogas na nossa sociedade, muito especialmente aqueles que se valem do anonimato para divulgar suas idéias - todos os sites visitados que suportam a tal "marcha" são apócrifos, não há um nome sequer. O que será que eles temem, já que estão tão cheios de razão?

Tal discussão nada acrescenta à agenda social brasileira. Não passa de mais um modismo que atende à um pretenso anseio social e modernidade, de quem não quer enfrentar os verdadeiros desafios e problemas. Entendo que preservar nossas crianças e adolescentes de tudo que é relacionado às drogas significa impedir que estas influências nefastas possam interferir, como já vem ocorrendo há tempos, na formação cultural, física, moral e social dos mais jovens, e garantir um futuro saudável para a nossa sociedade.

È hora de sair da letargia e promover, também, a nossa marcha.

Comentários

Sinceramente, não tenho opinião formada a este respeito. A "prestidigitação"(a afirmação de que a distribuição de panfletos e a passeata em si não é incitação ao uso de maconha) é realmente dúbia.

Seria uma manifestação pública, (com panfletos em tom explicativo )com o objetivo de chamar a atenção para a causa de remover a proibição legal sobre um determinado objeto, uma incitação ao crime relacionado com o uso do mesmo? Ou seria o tom da passeata que tipificaria a incitação ao romancear a droga em questão, falseando a verdade para obter apoio popular? Taí uma questão que eu realmente não tenho opinião formada.

Estou propenso à uma liberação parcial da maconha - pois já li estudo que a mesma é menos prejudicial ao corpo e um analgésico mais potente que a morfina - cujo princípio ativo gera tolerância muito mais rápido que o THC. Seria usado por pacientes desenganados de câncer que ainda não iniciaram a fase terminal da doença. E apenas nesses casos. Nada do obaoba que os defensores da liberação desejam.

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