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Com a casa em ordem, Serra vai à luta

Não dá pra parar de postar: o editorial de Veja desta semana traz um retrato da caminhada que o candidato José Serra acaba de iniciar, na sua tentativa de chegar ao Palácio do Planalto. É imperdível:


Ungido há menos de dez dias candidato oficial do PSDB à Presidência da República, José Serra não poderia encontrar ambiente mais propício para iniciar sua campanha. Duas novidades contribuem para isso. A primeira é que os tucanos estão animadíssimos – o que havia muito tempo não ocorria. Desde 2003, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso colocou a faixa presidencial no pescoço do petista Luiz Inácio Lula da Silva, os militantes do PSDB passaram a amargar uma espécie de fossa de fundo existencial. A saída do poder jogou o partido numa crise de identidade em que ninguém sabia ao certo que bandeiras defender ou que líderes seguir. Na semana passada, o PSDB parecia ter reencontrado o seu eixo. Ao barulhento lançamento da candidatura de Serra, acorreram mais de 6 000 militantes do partido. Vindos de todos os estados, carregavam bandeiras, espremiam-se uns contra os outros e cantavam sem parar no amplo auditório alugado pela sigla. A maioria usava camisetas nas cores azul e amarelo, algumas com inscrições como "temos orgulho do que criamos". Era um clima diametralmente oposto ao registrado nos últimos encontros do partido. O motivo da animação é que o PSDB, finalmente, tem um projeto definido, aprovado e defendido por todos na sigla: eleger José Serra presidente da República. E eis aí o segundo elemento a pavimentar o caminho de Serra nessa campanha. Seu partido vai unido para a briga. E isso, tratando-se de PSDB, é outra grande novidade.


O próprio Serra é o maior responsável pela unificação do partido. Nas duas últimas eleições presidenciais, o PSDB marchou dividido. Em 2002, a primeira candidatura de Serra à Presidência só se consolidou ao custo de engalfinhamentos com tucanos diversos, como o ex-ministro Paulo Renato e o senador Tasso Jereissati. Em 2006, Geraldo Alckmin foi o escolhido – mas também só depois de emparedar Serra e toda a cúpula de seu partido. Essas contendas internas costumavam causar fraturas que custavam a cicatrizar. Como resultado, cada um remava para um lado e o barco tucano não saía do lugar. Desta vez, a situação é outra. Serra impôs sua ascendência de forma natural. Depois de passar pelo governo Fernando Henrique, pela prefeitura e pelo governo de São Paulo, ele é hoje reconhecido por seus pares como o mais preparado entre os tucanos para enfrentar o desafio de presidir o país. O ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, que também sonhava em se lançar na disputa pelo Planalto, abriu-lhe passagem, no fim do ano passado, num gesto maduro e generoso. Na festa de lançamento de Serra, foi Aécio o autor do discurso mais inflamado do dia em defesa do candidato. Os tucanos que ainda sonham ver o mineiro candidato a vice-presidente na chapa do partido quase levitaram.


No discurso com o qual se lançou, Serra refutou a narrativa petista de que o Brasil só começou a ser construído em 2003, com a chegada de Lula ao poder. Disse que o momento positivo que o Brasil vive hoje se deve às conquistas obtidas por toda a sociedade desde o fim do regime militar, sobretudo à Constituição de 1988. Criticou a política externa brasileira e a sua inclinação para sustentar regimes autoritários, como os de Cuba e do Irã, e reservou boa parte da fala para condenar a estratégia petista de estimular uma disputa entre pobres e ricos na sociedade. "Não aceito o raciocínio do nós contra eles. Não cabe na vida de uma nação. Somos todos irmãos na pátria. Lutamos pela união dos brasileiros, e não pela sua divisão", disse. O tucano também criticou o modo petista de governar, abrigando apaniguados em todas as engrenagens da máquina pública: "O Brasil pertence aos brasileiros que não dispõem de uma ‘boquinha’, que exigem ética na vida pública porque são decentes, que não contam com um partido ou com alguma maracutaia para subir na vida". Por fim, repisou o slogan que deverá dar o tom da sua campanha, "O Brasil pode mais". Serra está decidido a sublinhar suas diferenças em relação ao PT, mas sabe que não levará vantagem colocando-se como o "candidato da mudança", como fez Lula em 2002 ou Barack Obama, nos Estados Unidos, em 2008. Por isso, pretende insistir no raciocínio segundo o qual o Brasil melhorou muito desde a redemocratização, e ele, José Serra, é o mais preparado para dar continuidade a esse ciclo virtuoso.


Na forma, o discurso do ex-governador de São Paulo foi sensivelmente diferente daquele que ele proferiu em 2002, na primeira vez em que se candidatou a presidente. Naquela ocasião, ainda ministro da Saúde, discorreu de forma técnica e preocupou-se, sobretudo, em elencar seus feitos como homem público. Desta vez, preferiu apelar para a emoção: "Venho hoje, aqui, falar do meu amor pelo Brasil; falar da minha vida; falar da minha experiência; falar da minha fé; falar das minhas esperanças no Brasil", disse. Segundo três linguistas consultados por VEJA, ao entrelaçar sua história pessoal à do país, ele se aproxima de seus ouvintes. O uso mais frequente de metáforas e imagens, afirmam os especialistas, ajuda a produzir o mesmo efeito. "Num determinado trecho, ele diz que governos, como as pessoas, têm alma. A personificação é eficaz porque as pessoas compreendem o mundo em grande parte através de referências físicas", explica Lilian Ferrari, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Um estudo americano, publicado em 2001 na Administrative Science Quarterly, analisou discursos de presidentes americanos, de George Washington a Ronald Reagan, e descobriu que o carisma atribuído a um político está diretamente relacionado ao número de palavras de um determinado gênero que ele usa em seus discursos. Aquelas que evocam imagens, sons, gostos e outras sensações, diz o estudo, atingem mais fácil e imediatamente os ouvintes do que as que exprimem conceitos. Assim, "suor" é mais eficaz do que "esforço" e "mão" é mais forte do que "ajuda". Serra parece ter aprendido a lição.


Embora esteja bem posicionado nas pesquisas, o candidato tucano tem a clara noção de que o mapa eleitoral brasileiro neste momento é muito mais favorável para ele nas regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste do que no Norte e no Nordeste, onde sua principal adversária, Dilma Rousseff, deve levar a melhor. Foi por isso que o primeiro estado visitado por Serra após o lançamento da sua campanha foi a Bahia. No Mercado Modelo de Salvador, ele cantou versos de Ataulfo Alves numa roda de samba ("Atire a primeira pedra, ai, ai, ai, aquele que não sofreu por amor"), amarrou uma fitinha de Nosso Senhor do Bonfim no pulso e abraçou quem passou pela sua frente. Um candidato em estado puro. Para aumentar sua massa de eleitores no Norte e no Nordeste, Serra conta com bons palanques estaduais. Ele terá, ao contrário do que ocorreu com Geraldo Alckmin em 2006, diversos candidatos competitivos disputando o cargo de governador a lhe dar sustentação nessa empreitada.


No Nordeste, o tucano subirá em palanques com probabilidade de vitória em seis dos nove estados, sendo que na Bahia, dona do quarto colégio eleitoral do país, ele terá o apoio do único candidato capaz de azedar a reeleição do petista Jaques Wagner: Paulo Souto, do DEM. Na Paraíba, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte e Piauí, Serra terá ao lado candidatos apontados entre os favoritos nas pesquisas eleitorais. Em Pernambuco, o PSDB contará com o apoio do senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB. Apesar de ter poucas chances contra o atual governador e favorito à reeleição, o dilmista Eduardo Campos (PSB), Jarbas tem excelente reputação no estado e vai usá-la em favor do candidato tucano. O ponto fraco de Serra no Nordeste é o Ceará. Na Região Norte, ele terá bom palanque no Pará, com o ex-governador Simão Jatene. Kátia Abreu, no Tocantins, também é uma candidata forte.


Já no Sul e no Sudeste, os ventos não poderiam ser melhores para o tucano. Menos por causa da montagem dos palanques estaduais do que pela sua influência na região. Em São Paulo, por exemplo, estado que ele governou nos últimos três anos, Serra espera impor uma respeitável dianteira de 4 milhões de votos sobre Dilma. Nesse diagrama eleitoral, há um estado que se destaca: Minas Gerais, que tem o segundo maior colégio eleitoral do Brasil, com 14 milhões de eleitores. Nas últimas duas eleições presidenciais, quem venceu lá foi Lula. Desta vez, o ex-governador Aécio Neves, provavelmente o mais popular da história mineira, garante que colocará todo o seu peso a favor de Serra. O PSDB acredita que Aécio é capaz de dar aos tucanos a vitória no estado. E que essa vitória pode ser determinante para definir o resultado da eleição nacional. Dez entre dez militantes do PSDB, no entanto, acreditam que Aécio arrastaria muito mais votos atrás de si se aceitasse integrar a chapa, no papel de vice. Ele resiste, e diz que prefere o Senado. O próprio Serra leva a discussão em banho-maria, e diz que vai esperar até o fim de maio para anunciar quem fará dobradinha com ele.


Serra tem dito que se preparou a vida inteira para este momento. Como ele, o Brasil de 2011 não poderia estar mais maduro para iniciar uma nova fase da sua história. A era pós-Lula, que virá com Serra ou com Dilma, celebrará e colherá os frutos de 25 anos de redemocratização e dezesseis anos de estabilidade monetária. Tem, portanto, todos os elementos para ser uma primavera do desenvolvimento. Com Serra, ela poderá vir com a vantagem adicional da alternância de poder, seiva da democracia, sem a qual se corre o risco de ver vicejar o voluntarismo dos governantes, a corrupção da máquina do estado e o fenecimento das novas ideias. É em busca dessa oxigenação no poder que os tucanos, com Serra à frente, alçaram voo na semana passada. E agora estão voando juntos.

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