Pular para o conteúdo principal

José, um exemplo

A morte de José Alencar representa o final de uma luta a céu aberto que o ex-vice-presidente travou com disposição, coragem e desapêgo.

Quem já conviveu com um doente terminal, como eu, com as frequentes melhoras e pioras, que em um dia renovam as esperanças e, em outros, nos consomem de dor, sabe que o paciente, familiares e amigos não apenas sofrem, como vivem uma expectativa desesperadora. Somente homens e mulheres com um alto destemor e espírito de luta, como José Alencar, são capazes de vivenciar isso tudo com a dignidade e altivez por ele demonstradas.

Mineiro de Muriaé, nascido em uma família numerosa - tinha 14 irmãos e irmãs - Alencar logo mostrou que não tinha vindo a esta vida em férias, construindo, do nada, um império no setor de tecidos, a Coteminas, com 11 fábricas no Brasil, e presença marcante no mercado nacional, Estados Unidos e Europa.

Na política, não teve uma longa carreira: foi candidato derrotado ao governo de Minas, em 1994, para Eduardo Azeredo. E, em 1998 elegeu-se senador, com três milhões de votos.

Na campanha de 2002 exerceu o decisivo papel de moderador junto ao empresariado nacional, garantindo que Lula não quebraria contratos, nem as regras do jogo. Revelou-se um dos grandes responsáveis por guindar o infeliz ao poder. Em 2005, durante o escândalo do "mensalão" foi um dos principais articuladores ajudando a dissuadir a oposição de pedir o impeachment do então presidente. Além disso, foi ele que ajudou a controlar, à época, uma base aliada instável, movida a propinas, que esteve prestes a sair de controle, no salve-se quem puder do ano anterior à reeleição. Nesse sentido, prestou um grande desserviço ao país. Aliás, como político, sua contribuição foi apenas discreta, nada tendo feito de vulto no Senado, e como vice, servido apenas para fortalecer o mito do Apedeuta, sendo novamente candidato junto com ele.

A seu favor, o fato de ter reconhecido, em entrevista a Vinícius Galvão, da Folha, quando estava em Nova York, para a retirada de um tumor no abdômen, após a reeleição, que o mensalão, efetivamente, existiu: - "Não posso negar a existência do mensalão. Ficou provada a existência. Não digo o mensalão, mas um sacolão enorme ficou provado. Então, sempre fui muito a favor que as investigações sejam rigorosas". Pra mim, embora não seja muito do feitio dele, o Zé, como gostava de ser chamado, virou a cara, pra não ver o lodaçal em que o partido do "cumpanhero", e o próprio, estavam metidos. Preferiu buscar garantir a estabilidade das instituições, e evitar termos mais um "impinchado" no Brasil.

Conforme a tradição da nossa cultura judaico-cristã ocidental, todo morto, por mais que tenha aprontado e sido uma peste em vida, subitamente, se transmuta em uma pessoa do bem. Se era político, deixa de ser safado, aproveitador, ladrão, mafioso e passa a ser reconhecido como patriota, exemplo de honestidade, caráter e honradez. Com o Zé, não é assim. Ele foi o que foi: um político de segunda-linha, que foi alçado a uma posição onde poderia vir a mandar, mas nunca mandou. Homem simples, leal, empresário, batalhador, não creio que tenha se envolvido nas maracutaias, trapalhadas, e destruição institucional da nação, que residem no DNA de seu colega de governo.

Embora tenha sucumbido, não há como negar, a guerra de 14 anos contra o câncer foi vencida por Alencar. Pelo menos em público, em nenhum momento resvalou para a auto-comiseração, fez uso da doença, ou desejou a piedade alheia. Ao contrário, mostrou que enquanto há vida, há esperança, e que tinha fibra para nunca se entregar. Uma frase que poderia ser inscrita em sua lápide foi proferida por ele mesmo: "Não tenho medo da morte, tenho medo da desonra".

José Alencar dignificou a própria morte. Que descanse em paz, e que Deus o receba com as honras que estão reservadas aos guerreiros, aos bravos e aos vencedores!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Com corona ou sem corona, dia 15, eu vou!

Em tempos de corona virus, pode parecer estranho, mas, fica mais importante ainda comparecer à manifestação do próximo dia 15. Contra as tentativas sórdidas de congressistas de alto coturno, jornalistas militantes e parte do judiciário, de usurpar poderes, prejudicar ações, e evitar que governe conforme o mandato que lhe concederam, é preciso demonstrar de forma cristalina que o presidente está, cada vez mais, com apoio popular, e que o desejo de que prossiga com as reformas do Estado, o combate à corrupção e à esquerda tacanha, gananciosa e cretina continua firme e forte. O sistema de governo é presidencialista, e isso já foi decidido há mais de 25 anos, quando se jogou uma montanha de dinheiro fora pra oficializar o que todo mundo sabia. É, portanto, intolerável que um presidente eleito, ainda que pairem dúvidas sobre a lisura do pleito, não consiga dar um passo sem que membros vetustos e caquéticos do STF não só opinem como trabalhem contra ele. Que a imprensa a tudo critiqu...

História do Filho da Puta

John Frederick Herring (1795 - 1865) foi um conhecido pintor de cenas esportivas e equinas, na Inglaterra. Em 1836, o autor do famoso quadro "Pharaoh's Charriot Horses", avaliado em mais de $500.000, acrescentou "SR" (Senior) à assinatura que apunha em seus quadros por causa da crescente fama de seu filho, então adolescente, que se notabilizou nessa mesma área. Apesar de nunca ter alcançado um valor tão elevado, um outro de seus quadros tem uma história bastante pitoresca. Em 1815, com apenas 20 anos, Herring, o pai, como era tradição, imortalizou em um quadro a óleo o cavalo ganhador do St Leger Stakes, em Doncaster, na Inglaterra. Até aí, nada de mais. A grande surpresa é o nome do animal: Filho da Puta! É isso mesmo. Filho da puta. Há pelo menos três versões sobre a origem desse estranho nome. A que parece mais plausível (e também a mais curiosa), dá conta que o embaixador português na Inglaterra, à época, era apaixonado por turfe e também por uma viúva com q...

Ibsen - inimigo nº 1 do Rio

Separados no nascimento O deputado Ibsen Pinheiro acaba de se tornar o inimigo público número 1 do Rio de Janeiro. Além de aprovar um projeto estapafúrdio, repleto de inconstitucionalidades, apareceu no Jornal Nacional declarando que os cariocas não sabem o que fazem. De uma só tacada desqualificou o protesto contra a emenda que ontem reuniu, segundo a PM, mais de 150 mil pessoas no centro do Rio, comparando-o à passeata dos cem mil, e ainda desancou os cariocas, prevendo que ficaremos sem nada. Em primeiro lugar, Ibsen comete uma imbecilidade histórica: a Passeata dos Cem Mil não foi de apoio à revolução de 64, como sugeriu, e sim, contra o governo militar, tendo sido organizada em 68, pelo movimento estudantil, com apoio de artistas, intelectuais (eu detesto essa classificação. Afinal, você conhece alguém que se identifica como intelectual? "Prazer, sou um intelectual". Que imbecilidade!) e setores da sociedade. O gaúcho idiota, que já teve o mandato injustamente cassado e...