Pular para o conteúdo principal

Lula: "F-se a constituição"

Leiam o excelente editorial do Estadão. Comento no próximo post.

Luiz Inácio Lula da Silva não é o primeiro nem será o último chefe de governo, em qualquer instância e de qualquer país democrático, a se queixar da imprensa. Para não ir muito atrás, nem muito longe, o que se falava mal da mídia no Palácio do Planalto do presidente Fernando Henrique e o que se fala no Palácio dos Bandeirantes do ainda governador José Serra, por exemplo, ocupariam páginas inteiras de um periódico. Jornalistas - essa a reclamação recorrente nos palácios de todas as cores - ignoram na maior parte do tempo o que se faz de bom (e o esforço que isso demanda), só destacam o que vai mal (sem se aprofundar nas causas dos problemas) e preferem a fofoca aos fatos relevantes (porque estes dão mais trabalho para apurar).

Há, no entanto, uma diferença - não de grau, mas de natureza - entre os protestos dos que se julgam injustiçados pelos meios de comunicação e os sistemáticos ataques de Lula à imprensa a que acusa, indistintamente, de tratar o seu governo com “má-fé”. Governadores e prefeitos, ministros e secretários podem deplorar a suposta miopia do noticiário, mas reconhecem a carga inerente de tensão no seu relacionamento com o jornalismo que a eles não se subordina. Já o caso de Lula é obsessão. Desde o escândalo do mensalão, em 2005, ele está em campanha para demolir a credibilidade dos órgãos de informação. As suas diatribes, como a de anteontem, durante um evento, são uma mistura de vezo autoritário com ressentimento de classe, agravada pelo descontrole emocional diante da mera expectativa de receber críticas.

No passado, Lula dizia que não teria se tornado o que se tornou, a ponto de disputar a Presidência da República, não fosse a liberdade de imprensa no Brasil. Foi ela quem de fato propeliu o seu nome, cobrindo passo a passo a sua trajetória, fossem quais fossem os julgamentos que pudesse fazer a seu respeito. Isso não mudou, mas o que Lula hoje entende por liberdade de imprensa é uma caricatura grotesca. “É triste”, investiu, “quando as pessoas têm o direito de escrever as coisas certas e escrevem as coisas erradas.” Nas democracias, as pessoas têm o direito de escrever ? ponto. Nas ditaduras, quem diz o que é certo ou errado é o ditador. Para Lula, o certo seria a imprensa dizer que o PAC é uma maravilha. O errado, informar que apenas 11% de suas obras foram concluídas e 54% não saíram do papel.

Certo também seria a imprensa olhar para o outro lado enquanto ele promove, com assombroso despudor, a candidatura Dilma Rousseff. Na mesma ocasião em que vociferou contra a mídia, deu a deixa para a platéia gritar o nome da ministra, ao afirmar: “Eu não posso dizer quem vai ser (o sucessor), eu não posso dizer, porque, porque? vamos aguardar.” Errado é noticiar que Dilma inaugura obras que não estão concluídas. Lula afirma que a imprensa tem predileção pela desgraça “para dizer: “viu, o menino não era letrado, o menino nasceu para ser torneiro mecânico. A partir daí já é abuso”". Ele jamais se cansará de fazer praça de suas origens ? menos por justo orgulho do que para insuflar o eleitorado pobre. Mas nunca pôs a sua formidável popularidade a serviço da educação, dizendo algo como “se sou o que sou sem ter estudado, imaginem o que eu seria se tivesse”.

Os historiadores do futuro certamente terão muito a dizer sobre a contribuição do governo Lula para o prosseguimento das transformações pelas quais o País começou a passar nos anos 1990. Tampouco deixarão de registrar que a democracia lhe deve a decisão de não buscar um terceiro mandato mediante emenda constitucional. Mas haverão de lembrar que nunca antes neste país, em regime democrático, um presidente havia manifestado tanto ódio pela imprensa livre. Lula é o governante que, com pouco mais de um ano no poder, tentou expulsar do País o correspondente do New York Times por ter escrito uma reportagem (de duvidosa qualidade, por sinal) sobre o que seria o seu gosto pela bebida. Alertado pelo então ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, de que a expulsão seria inconstitucional (o jornalista era casado com uma brasileira), Lula explodiu: “F-se a Constituição.”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Voltando devagar

Dois anos depois, senti vontade de voltar a escrever. Já havia perdido um bocado do entusiasmo, me sentindo incapaz de produzir algo interessante, que valha a pena ser lido, sentimento que pouco mudou. O que mudou foi o jeito como estou começando a ver as coisas. Outro dia, li algo que me chamou a atenção, tipo: "A arte não é para o artista mais do que a água é para o encanador”. E continuava, "Não, a arte é para quem a absorve, mesmo que o artista nem sempre tenha plena consciência do quanto isso é verdade. Pois sim, na verdade, a maioria dos artistas que ainda decidimos considerar entre “os grandes” estavam fazendo isso para fins em grande parte masturbatórios, em oposição à pura motivação de “querer criar algo para os outros." Aparentemente, trata-se de uma fala de um personagem de filme. Ainda estou por checar. Definitivamente, o que faço aqui não é arte, não tenho essa pretensão, no entanto, essa é sem dúvida uma questão estranha sobre a arte como um conceito, que a...

Perda irreparável

Na terça-feira passada, 17, fui surpreendido com uma das piores notícias da minha vida - um dos amigos que mais gosto, um por quem tenho enorme admiração, um irmão que a vida me deu, havia deixado este mundo. A notícia não dava margem a dúvidas. Era um cartão, um convite para o velório e cremação no dia seguinte. Não tinha opção, a não ser tentar digerir aquela trágica informação. Confesso que nunca imaginei que esta cena pudesse acontecer. Nunca me vi  nesta situação, ainda mais em se tratando do Sylvio. A chei que  ele estaria aqui pra sempre. Que todos partiriam, inclusive eu, e ele aqui ficaria até  quando ele próprio resolvesse que chegar a hora de descansar. Ele era assim,  não convencional e suspeitei que, como sempre fez, resolveria também  essa questão. Hoje em dia, com a divisão ideológica vigente e as mudanças nos códigos  de conduta, poucos diriam dele: que cara maneiro! M esmo os que se surpreendiam ou não gostavam de algumas de suas facetas, c...

História do Filho da Puta

John Frederick Herring (1795 - 1865) foi um conhecido pintor de cenas esportivas e equinas, na Inglaterra. Em 1836, o autor do famoso quadro "Pharaoh's Charriot Horses", avaliado em mais de $500.000, acrescentou "SR" (Senior) à assinatura que apunha em seus quadros por causa da crescente fama de seu filho, então adolescente, que se notabilizou nessa mesma área. Apesar de nunca ter alcançado um valor tão elevado, um outro de seus quadros tem uma história bastante pitoresca. Em 1815, com apenas 20 anos, Herring, o pai, como era tradição, imortalizou em um quadro a óleo o cavalo ganhador do St Leger Stakes, em Doncaster, na Inglaterra. Até aí, nada de mais. A grande surpresa é o nome do animal: Filho da Puta! É isso mesmo. Filho da puta. Há pelo menos três versões sobre a origem desse estranho nome. A que parece mais plausível (e também a mais curiosa), dá conta que o embaixador português na Inglaterra, à época, era apaixonado por turfe e também por uma viúva com q...