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Rede anti-social?

Sempre na frente, já está sendo pesquisado, nos EUA, como a tecnologia anda afetando a amizade entre as crianças. Os fenômenos apontados, certamente, acontecem por aqui. O problema é que não se dá a devida atenção aos detalhes e influências desses recursos no cotidiano, nosso ou de nossas crianças.

Vale a pena, portanto, dar uma olhada no artigo publicado no New York Times pela jornalista Hilary Stout, com minha tradução:


"Ei, você é um idiota", disse a menina para o menino com um sorriso. "Só queria que você soubesse".

"Obrigado!", Disse o menino.

"Brincadeira", disse a garota com outro sorriso. "Você só é um pouco idiota, mas tirando isso, você é muito normal - às vezes."

Os dois riram.

"Vejo você amanhã", disse o menino.

"O.K., nos vemos", disse a menina.

Foi uma conversa típica entre pré-adolescentes, comum através das gerações. Exceto que esta teve uma diferença própria de 2010. Foi realizada no Facebook. Os sorrisos eram dois pontos entre colchetes. Os risos foram digitados ha ha. "OK" era apenas "K" e "See you" foi traduzida como "c ya".

Crianças costumavam realmente conversar com seus amigos. Aquelas horas gastas no telefone princesa(*) da família ou sair com amigos pela vizinhança, depois da escola, desapareceram há muito tempo. Mas agora, mesmo conversas em celulares ou via e-mail (através dos quais você pode ao menos conversar em parágrafos) é passado. Para os adolescentes e pré-adolescentes de hoje, o dar e receber de amizade parece ser cada vez mais realizado em trechos abreviados de textos em celular e mensagens instantâneas, ou através do fórum público nas paredes do Facebook e boletins do MySpace. (Andy Wilson, o menino de 11 anos envolvido na conversinha acima, tem 418 amigos no Facebook.)

Na semana passada, o Pew Research Center constatou que metade dos adolescentes norte-americanos - definida no estudo como nas idades de 12 a 17 - enviam 50 ou mais mensagens de texto por dia e que um terço envia mais de 100. Dois terços dos pesquisados pelo Internet and American Life Project, disseram que eram mais propensos a usar seus celulares para enviar textos para amigos do que chamá-los. Cinqüenta e quatro por cento disseram que enviam texto para seus amigos uma vez por dia, mas apenas 33 por cento disseram que conversam com seus amigos pessoalmente, todos os dias. Os resultados vieram poucos meses depois da Kaiser Family Foundation relatar que os americanos com idades entre 8 e 18 anos gastam em média 7,5 horas por dia, usando algum tipo de aparelho eletrônico, desde smarphones a tocadores de MP3 e computadores - um número que assustou muitos adultos, mesmo aqueles que mantêm seus BlackBerrys ao alcance da mão durante a maior parte do tempo que ficam acordados.

Até o momento, grande parte da preocupação com todo esse uso da tecnologia esteve focado nas implicações para o desenvolvimento intelectual das crianças. A preocupação com as repercussões sociais tem centrado no lado mais sombrio das interações on-line, como cyber-bullying ou envio de mensagens sexualmente explícitas. Mas os psicólogos e outros especialistas estão começando a dar uma olhada em um fenômeno menos sensacional, mas potencialmente mais profundo: se a tecnologia pode mudar a própria natureza da amizade entre as crianças.

"Em geral, as preocupações sobre o cyber-bullying e sexting ("sex texting), ou mensagens com conteúdo sexista, obscureceram um olhar para as coisas realmente diferenciadas sobre a forma que a tecnologia está afetando as propriedades de proximidade da amizade", disse Jeffrey G. Parker, um professor associado de psicologia na Universidade do Alabama , que vem estudando amizades de crianças desde a década de 1980. "Estamos apenas começando a olhar para essas mudanças sutis."

A questão na mente dos pesquisadores é se todas essas mensagens de texto, mensagens instantâneas e redes sociais on-line permite que as crianças tornem-se mais conectadas e apoiadoras de seus amigos - ou se a qualidade de suas interações está sendo diminuída, sem a intimidade e o dar e receber emocional, comum quando se tem um tempo prolongado juntos.

É demasiado cedo para saber a resposta. Escrevendo no The Future of Children, um jornal produzido através de uma colaboração entre a Brookings Institution e o Woodrow Wilson Center da Universidade de Princeton, Kaveri Subrahmanyam e Patricia M. Greenfield, psicólogos da Universidade Estadual da Califórnia, Los Angeles, e UCLA, respectivamente, observaram: "A evidência qualitativa inicial é que a facilidade da comunicação eletrônica pode estar tornando os adolescentes menos interessados na comunicação face-a-face com seus amigos. Mais pesquisa é necessária para ver quão generalizado esse fenômeno é e o que isso faz para a qualidade emocional de um relacionamento."

Mas a questão é importante, pessoas que estudam relacionamento acreditam, porque as amizades próximas da infância ajudam as crianças a construir a confiança em pessoas de fora de suas famílias e, consequentemente, ajudam a estabelecer as bases para relacionamentos adultos saudáveis. "Não podemos permitir que murchem esses bons relacionamentos próximos. Eles são essenciais para permitir às crianças a desenvolver equilíbrio e para permitir que as crianças brinquem com as suas emoções, expressem emoções, todas as funções de apoio que acontecem com os relacionamentos dos adultos ", disse o professor Parker.

"Estas são coisas que falamos o tempo todo", disse Lori Evans, psicóloga da New York University Child Study Center. "Nós ainda não temos um grande campo de investigação para confirmar aquilo que clinicamente achamos que está acontecendo."

O que ela e muitos outros que trabalham com crianças veem, são trocas que são mais superficiais e mais públicas do que no passado. "Quando éramos jovens, nós ficávamos no telefone por horas a fio com uma pessoa", disse Evans. As mensagens instantâneas de hoje são muitas vezes conversas em grupo. E ela disse, "O Facebook não é uma conversa."

Uma das preocupações é que, ao contrário de seus pais - muitos dos quais lembram de ter tido relações de infância intensas com um amigo íntimo, com quem gastavam todo o seu tempo e contavam todos os seus segredos - os jovens de hoje podem estar perdendo experiências que os ajudem a desenvolver a empatia , entender as nuances emocionais e ler os sinais sociais como expressões faciais e linguagem corporal. Com a obsessão infantil pela tecnologia começando cada vez mais cedo - mesmo as crianças do jardim de infância jogarão lado a lado em laptops em dias de jogo - seus cérebros podem eventualmente ser religados e essas habilidades depois desaparecerão, acreditam alguns pesquisadores.

Gary Small, um neurocientista e professor de psiquiatria da UCLA e autor de "iBrain: sobrevivendo à alteração Tecnológica da mente moderna", acredita que os chamados "nativos digitais", termo para a geração que cresceu utilizando computadores, já estão tendo mais dificuldade em ler os sinais sociais. "Mesmo sendo os jovens nativos digitais muito bons com as habilidades da tecnologia, eles são fracos com habilidades do contato humano face-a-face", disse ele.

Outros que estudam amizades argumentam que a tecnologia está trazendo as crianças mais perto do que nunca. Elizabeth Hartley-Brewer, autora de um livro publicado no ano passado chamado "Fazendo Amigos: Um Guia para Compreender e Nutrir amizades do seu filho", acredita que a tecnologia lhes permite estar conectados aos seus amigos o tempo todo. "Eu acho que é possível dizer que a mídia eletrônica está ajudando as crianças a estar em contato muito mais e durante mais tempo."

E alguns pais concordam. Beth Cafferty, uma professora de espanhol em Hasbrouck Heights, Nova Jersey, estima que sua filha de 15 anos envia centenas de textos a cada dia. "Eu realmente penso que eles estão mais perto, porque eles estão mais em contato uns com os outros - qualquer coisa que vem à minha mente, eu estou indo enviar por texto para você imediatamente", disse ela.

Mas Laura Shumaker, mãe de três filhos nos subúrbios de Bay Area, observou recentemente que seu filho de 17 anos, John, "estava ficando tanto tempo com amigos do Facebook que se tornou mais retraído e temeroso com relação a interações face-a-face."

Recentemente, quando ele mencionou que era aniversário de um amigo, ela recordou, "eu disse: 'Ótimo, você está indo telefonar pra ele e desejar-lhe um Feliz Aniversário?" Ele disse, 'Não, eu estou indo colocar uma mensagem no seu "mural" - o quadro de avisos do Facebook onde os amigos podem enviar mensagens que os outros podem ver. Shumaker disse que, desde então, começou a encorajar seu filho a se envolver em mais atividades em grupo após a escola e estava contente que ele se juntou recentemente a um grupo de canto.

Para algumas crianças, a tecnologia é apenas um facilitador para uma vida social ativa. Em uma sexta-feira recente, Hannah Kliot, uma aluna de 15 anos de idade, da nona série, em Manhattan, que tinha na última contagem 1.150 amigos no Facebook, mandou um monte de textos, depois da escola, para fazer planos para encontrar alguns amigos em uma festa mais tarde. No dia seguinte, jogou em dois jogos de softball, mandando textos entre entradas e jogos, sobre planos para ir a um concerto no fim de semana seguinte.

Hannah diz que confia no envio de textos para fazer planos e passar adiante as coisas que ela pensa que são engraçadas ou interessantes. Mas ela também usa para verificar se amigos podem estar aborrecidos com alguma coisa - e nesses casos ela acompanha com uma conversa real. "Eu definitivamente tenho conversas, mas acho que a nova forma de realmente conversar com alguém é através de bate-papo com vídeo, porque você realmente os vê", disse ela. "Eu definitivamente faço telefonemas uma hora ou outra, mas isso é considerado, talvez, da velha escola."

A mãe de Hanna, Joana Vicente, que manda textos para seus filhos de sua cama depois de 11:00 dizendo-lhes para ficarem offline, às vezes é surpreendida pela forma como Ana e seu irmão de 14 anos, Anton, se comunicam. "Às vezes eles estão em cinco conversas ocorrendo ao mesmo tempo" através de mensagens instantâneas, textos ou chats de vídeo, ela disse. "Minha filha, vai de uma para a outra, à velocidade da luz. Eu penso 'Meu Deus, isso é uma conversa? "

Alguns pesquisadores acreditam que a natureza impessoal dos SMS e de comunicação on-line pode tornar mais fácil para as crianças tímidas de conectarem com os outros. Robert Wilson é o pai de Andy Wilson, o menino de 11 anos de idade da sexta série de Atlanta, que foi provocado de forma bem-humorada através do Facebook. (o sr. Wilson mencionou a conversa para ilustrar a natureza geralmente "boba" e inócua da maioria das interações do filho no Facebook.) Andy é muito atlético e social, mas seu irmão, Evan, que tem 14, é mais tímido e introvertido. Depois de assistir Andy em contato com tantas pessoas diferentes no Facebook, o Sr. Wilson sugeriu que Evan se cadastrasse e fizesse uma tentativa. Dias depois, ele teve o prazer de encontrar Evan conversando através do Facebook com uma garota de sua escola anterior.

"Estou pensando que o Facebook tem na maior parte sido benéfico para os meus filhos", disse Wilson. "Para Evan, a razão número 1 é por ajudá-lo a sair da sua concha e desenvolver habilidades sociais que ele não estava aprendendo, porque ele é tão tímido. Eu não podia simplesmente empurrá-lo para fora da casa e dizer: "Encontre alguém".

N.T.
(*) Telefone princesa é um tipo de telefone antigo, produzido pela AT&T até 1994, próprio para uso no quarto, com um disco iluminado, para visão noturna. Era o telefone preferido das meninas, daí a designação "princesa". Com o sucesso, eles ganharam outras cores, que não apenas o preto. Nos anos 60 e 70, o design do "princesa" foi, de longe, o mais comum para telefones de brinquedo. Talvez assim você lembrem da "cara" dele.

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