Pular para o conteúdo principal

O pesadelo de Fidel

por Luiz Felipe Pondé, publicado na Folha, 08/12/2016

A esquerda tem duas fases. A primeira, cujo último representante, Fidel Castro, acabou de morrer, podemos chamar de clássica ou romântica, ainda filha direta de Marx (aquele que pregava fuzilamentos sumários para frouxos e primitivos) e da moçada bolchevique, que também era chegada a métodos administrativos de fuzilamento.

Fidel comia todas, além de vesti-las de soldadas. Um sujeito que merecia respeito. Fumava charutos, algo que fala bem do caráter de um homem, apesar de ditador e cruel. Pelo menos era sincero.

A segunda, que podemos dividir em alguns subtipos, é mais acadêmica e bem-comportada. Prefere a cultura do "fitness" aos charutos. Quanto a comer todas, nem pensar! Considera isso coisa de "hétero machista". Combina com restaurante vegano e bike. Nada de gente sem doutorado, ou pelo menos mestrado. Ou que não tenha feito um curso de teatro ou dança. Se for "trans" em alguma coisa, melhor ainda. Suporta o povo apenas como "ideia" e sem nenhum cheiro de ônibus. Cultiva as rede sociais como o "lugar do indivíduo kantiano" se manifestar e sonha com um curso de cinema em Havana.

Esta segunda fase é mais múltipla, como tudo numa sociedade de mercado avançada. Ser de esquerda hoje é mais um estilo entre outros. Logo terão seu próprio menu gourmet.

A rigor, a esquerda não passa de um fetiche sofisticadíssimo de uma burguesia entediada com o próprio mundo vazio de sentido que criou, mas que é insuportavelmente confortável. Como todo fetiche, mais atrapalha do que realiza o gozo. O grande trunfo da esquerda, historicamente, é ser abstrata nas ideias e imprecisa nos fatos. Logo, não serve para nada, mas serve para masturbação vaidosa acerca da própria bondade.

Essa fase contemporânea tem alguns totens. Foucault, um sujeito muito preocupado com a própria roupa, mais dado a estilos do que a atitudes, adora bandidos e combina com seminários universitários e "coffee breaks".

Os frankfurtianos Benjamim, Adorno e Horkheimer, os melancólicos da esquerda, são de mais difícil consumo porque "negativos" e não creem na revolução vegana e de gênero.

Kant (coitado!) virou guru dos crentes e fiéis no indivíduo racional emancipado que um dia votará no PSOL como "necessidade da razão prática" (estou falando dialeto kantiano em homenagem a essa facção da esquerda contemporânea) e que, no futuro, usarão as redes sociais de forma "consciente". Essa combinação de Kant com Facebook me parece, de todas as formas de esquerda, a mais risível.

Todo mundo sabe que Kant deve ter morrido virgem para de fato crer que pessoas reais podem viver de modo tal que cada ato praticado na vida seja erguido em norma universal de comportamento (seu "imperativo categórico"). A ética kantiana é coisa séria, mas na esquerda vira #revolucionesecomkantnoface. O sujeito kantiano está morto no free shop há muito tempo.

Os deleuzianos passaram um pouco do ponto e da moda. Já que seu ícone, Maio de 68, já se sabe, era claramente uma revolução de mimados. Mas ainda dará umas teses de doutorado aqui e ali.

Tem também a moçada Badiou-Zizek, mais recente no mercado de opções, com terminologia incompreensível (lacanês), que fala que, se você for de esquerda, você gozará fazendo a revolução (a "vida verdadeira") e, por isso mesmo, não precisará de ninguém de carne e osso nas suas mãos para amar. Assimilaram um dos maiores erros do cristianismo: o amor universal à humanidade como possibilidade de afeto real.

E tem a esquerda de gênero, aquela que pensa que se você tem questões com sua identidade sexual, por consequência não existe mais mulher e homem na espécie humana. E a esquerda das bikes e dos coletivos? Pura purpurina.

Apesar de todo o mimimi com Cuba e a morte de Fidel, essa moçadinha do PSOL faria xixi nas calças se tivesse que encarar gente como Fidel e Che. Para essa moçadinha, os dois só servem como personagens ou fetiches em camisetas e canecas. Para Fidel seria um verdadeiro pesadelo ter um desses combatentes veganos em seu Exército. #revolucionesecomkantnoface é o futuro da esquerda.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Com corona ou sem corona, dia 15, eu vou!

Em tempos de corona virus, pode parecer estranho, mas, fica mais importante ainda comparecer à manifestação do próximo dia 15. Contra as tentativas sórdidas de congressistas de alto coturno, jornalistas militantes e parte do judiciário, de usurpar poderes, prejudicar ações, e evitar que governe conforme o mandato que lhe concederam, é preciso demonstrar de forma cristalina que o presidente está, cada vez mais, com apoio popular, e que o desejo de que prossiga com as reformas do Estado, o combate à corrupção e à esquerda tacanha, gananciosa e cretina continua firme e forte. O sistema de governo é presidencialista, e isso já foi decidido há mais de 25 anos, quando se jogou uma montanha de dinheiro fora pra oficializar o que todo mundo sabia. É, portanto, intolerável que um presidente eleito, ainda que pairem dúvidas sobre a lisura do pleito, não consiga dar um passo sem que membros vetustos e caquéticos do STF não só opinem como trabalhem contra ele. Que a imprensa a tudo critiqu

Esposa de aluguel - quem quer?

Gaby Fontenelle, assistente de palco de Rodrigo Faro, no "Melhor do Brasil". No programa, Gaby encarna a personagem "Esposa de aluguel". Grande idéia! Quem não quer uma morena espetacular com essa fazendo todas as suas vontades?

Perda irreparável

Na terça-feira passada, 17, fui surpreendido com uma das piores notícias da minha vida - um dos amigos que mais gosto, um por quem tenho enorme admiração, um irmão que a vida me deu, havia deixado este mundo. A notícia não dava margem a dúvidas. Era um cartão, um convite para o velório e cremação no dia seguinte. Não tinha opção, a não ser tentar digerir aquela trágica informação. Confesso que nunca imaginei que esta cena pudesse acontecer. Nunca me vi  nesta situação, ainda mais em se tratando do Sylvio. A chei que  ele estaria aqui pra sempre. Que todos partiriam, inclusive eu, e ele aqui ficaria até  quando ele próprio resolvesse que chegar a hora de descansar. Ele era assim,  não convencional e suspeitei que, como sempre fez, resolveria também  essa questão. Hoje em dia, com a divisão ideológica vigente e as mudanças nos códigos  de conduta, poucos diriam dele: que cara maneiro! M esmo os que se surpreendiam ou não gostavam de algumas de suas facetas, contudo, tinham essa opinião.