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Fraude amazônica


Perícia em apenas 53% dos contratos da usina de Belo Monte revela desvio de dinheiro público em volume equivalente à metade das perdas da Petrobras com corrupção

José Casado, O Globo

É um colosso plantado na Amazônia, no leito do rio Xingu, na altura de Altamira (Pará). Vai começar este verão com a quarta turbina instalada, depois de 41 anos de um conturbado processo de planejamento e execução de obras.

Ganhará outros quatorze motores até o Natal de 2019, transformando-se numa das maiores usinas hidrelétricas em operação no planeta. A energia vai ser extraída de um lago artificial de tamanho equivalente a 64 áreas como Copacabana. Quando estiver operando à plena força, Belo Monte terá capacidade suficiente (11.233,1 MW) para abastecer 40% das residências brasileiras.

Erguida em concreto suficiente para a construção de 48 Maracanãs, a usina de Belo Monte se tornou um majestoso monumento à fraude em negócios do setor público, a um custo que já supera R$ 30 bilhões.

A primeira análise dos gastos com construção, realizada por auditores por encomenda do Ministério Público, revelou sobrepreço de R$ 3,3 bilhões. É o produto da soma de R$ 2,9 bilhões na cobrança de preços acima do mercado e de R$ 400 milhões em despesas sem fundamento, inconsistentes ou simplesmente injustificadas.

Isso foi apurado durante o exame de apenas 53% dos contratos de obras civis, nos quais foram gastos R$ 7,7 bilhões. Os auditores não conseguiram ir além. Porque o grupo estatal Eletrobrás (dono de 49,9% do do empreendimento) e a Norte Energia (concessionária que funciona com 95% de capital público), "impuseram toda espécie de dificuldades" à fiscalização — da entrega de arquivos eletrônicos bloqueados à sonegação de informações, segundo o Tribunal de Contas da União.

Ainda assim, somente com a perícia em pouco mais da metade dos contratos de obras de Belo Monte, já se chegou a um volume de desvios de dinheiro equivalente à metade dos prejuízos com corrupção declaradas pela Petrobras no balanço contábil de 2014, divulgado em abril do ano passado.

O caso da hidrelétrica de Belo Monte sugere a probabilidade do setor elétrico estatal vir a superar os limites já conhecidos da criatividade em trapaças com dinheiro público, sob cegueira deliberada — ou consentida — de líderes políticos, beneficiários diretos ou indiretos nas planilhas empresariais de financiamento eleitoral.

Depoimentos de executivos das empreiteiras que integram o consórcio construtor (Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia e OAS) indicam que em Belo Monte foi aplicada cobrança de propina numa base percentual de 1% a 1,5% sobre contratos de obras e de equipamentos. Metade foi coletada para o Partido dos Trabalhadores e outra metade recolhida para o PMDB.

Essa partilha de subornos foi negociada por Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma, segundo executivos responsáveis pelos pagamentos das empreiteiras. O objetivo era financiar campanhas eleitorais de 2010 e de 2014.

Há quatro décadas o Brasil flertava com o projeto de uma super-hidrelétrica na Amazônia. Não havia nada além de uma velha ideia. Construiu-se Belo Monte, para benefícios ao PT e ao PMDB.

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