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O verdadeiro problema do Brasil é outro

Há dois grupos que defendem ter ocorrido, no Brasil, um Golpe de Estado. O primeiro acredita que houve um Golpe mesmo. Literal. Que a Constituição foi violada e não houve crime de responsabilidade. (Houve, e a análise da ONG Contas Abertas ajuda a explicar: http://bit.ly/2c3jwZm )

O segundo grupo não acha que estamos revivendo 1964. Mesmo que não o diga abertamente, sabe que há crime. É o “golpe” entre aspas, golpe como metáfora. O argumento deste grupo é importante. Da maneira como vê, um projeto de esquerda eleito pela maioria dos brasileiros foi derrubado e substituído via politicagem por um projeto de direita sem qualquer sanção eleitoral.

O discurso continuado de que houve um Golpe levanta fumaça demais e atrapalha este debate, que é muito mais relevante.

Há quatro pontos que vale listar. O mais importante, de longe, é o último.

1. Durante a campanha de 2014, Dilma Rousseff mentiu a respeito da real situação econômica do país. Manipulou as contas para fazer parecer que a crise era menos grave do que a realidade. Mentiu a ponto, aliás, de cometer crimes de responsabilidade. Ela não tinha condições de entregar o plano econômico que prometia.

Isso não justifica uma guinada à direita. Mas é uma constatação fundamental.

2. O projeto econômico de Dilma, a partir de 2015, não foi o que ela prometeu. Liberais dirão que não havia escolha, o leitor decide se acredita. Mas a política econômica que o governo tentou implementar a partir de 2015 foi aquela prometida por Aécio Neves.

Quem primeiro tentou colocar em prática a política derrotada nas urnas foi a própria presidente eleita. Não conseguiu, pois foi impedida pela guerra que abriu com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Mas essa é outra história.

3. É verdade que 54 milhões de votos não podem ser ignorados. Mas é preciso temperar este argumento antes de encará-lo.

Democracia não é a ditadura da maioria.

Se há uma característica do regime democrático que foi abraçada mais pela esquerda do que pela direita, desde o início, é a ideia de que o voto não legitima uma ditadura da maioria. Faz parte do credo de esquerda que minorias têm de ser ouvidas, respeitadas e, em certos casos, até protegidas.

Porque minorias têm direito à participação e voz, o voto majoritário é permeado por sistemas que impõem limites. Assim, o presidente eleito tem de responder aos desejos do Parlamento. O Legislativo representa, em sua mistura, as aspirações regionais e/ou ideológicas da sociedade.

Se o Congresso diz não, o presidente não pode.

Se o Congresso é ruim, temos de estudar que regras de hoje interferem em sua qualidade. Mas o Congresso é tão legítimo quanto o Planalto.

A eleição de 2014 é até mais delicada. Dilma teve 54 milhões de votos, porém Aécio Neves recebeu 51 milhões. Numa ditadura, dane-se. Numa democracia é preciso compreender o que as urnas dizem com clareza: o país cindiu em duas partes iguais.

E os votos derrotados, mesmo sem ter garantido uma eleição, representam opiniões tão legítimas quanto as vitoriosas.

4. É legítimo que o PMDB assuma o governo brasileiro quando o PT foi eleito? Claro que sim. E a escolha foi do PT.

O PMDB é um partido fisiológico e conservador. O PT poderia ter feito uma aliança com base ideológica. Há inúmeros partidos de esquerda. Optou por pactos de outra natureza. As evidências, aliás, sugerem que optou de bom grado por pactos de outra natureza.

Com três milhões de votos separando Dilma de Aécio, é seguro dizer que, sem a máquina pemedebista, quem estaria no Planalto hoje seriam os tucanos.

A aliança com o PMDB garantiu a eleição. Mas a aliança com o PMDB também fez com que a chapa não tivesse perfil ideológico. Quem encarou o rosto de Dilma na urna eletrônica antes de apertar o botão Confirma pode ter escolhido acreditar que a imagem de Michel Temer, ali ao lado, não queria dizer nada. Mas dizia muito, garantiu a vitória e definiu os próximos anos de todos nós, brasileiros.

Quem elegeu Dilma por tudo o que sua biografia representa, também elegeu Temer com tudo o que sua biografia representa. O PT fez uma escolha para garantir a eleição. Sua escolha comprometeu seu programa, mas cumpriu o objetivo.

A boa notícia é que 1964 é o passado.

A má notícia é que o Brasil não está resolvido.

Não.

Direita e esquerda fingem que há um debate enquanto fisiológicos e patrimonialistas são os que sempre estão no poder. Quando chegarmos a um debate real entre direita e esquerda, aí sim teremos ganho.

Este é o debate importante. Precisamos nos livrar do fisiologismo na política brasileira. É um debate muito difícil. Golpe é só cortina de fumaça para evitar o real problema por trás de toda a crise. Golpe só serve para fazer parecer que o PT não tem nada a ver com isso. Claro que tem. Todos os partidos têm.

Por Pedro Dória

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