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A República num quarto de hotel e o muro que a divide. Por José Nêumanne Pinto

Em palácio transformado em brechó fuleiro, Dilma compra votos contra impeachment, como Lula em quarto de hotel

Ao se deparar com a reação popular à crise ética, provocada pelo assalto aos cofres públicos, feito por seus correligionários e aliados, a presidente Dilma Rousseff passou a utilizar a sede do poder republicano como se este fosse estádio de assembleia sindical. Para ter êxito nessa transformação, pediu ajuda a seu padrinho, o mais bem-sucedido dirigente de sindicato da História do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. E, ao som de palavras de ordem, berradas de forma agressiva e alucinada, o Palácio do Planalto foi por ela, mais recentemente, transformado em refúgio de guerrilheiros da esquerda armada, àquela época chamado de aparelho.

Diante da perspectiva cada vez mais ameaçadora do impeachment anunciado, ela agora passou a encenar uma versão contemporânea do pátio do templo de Jerusalém, do qual, conforme o Evangelho, Jesus Cristo expulsou a chicotadas os vendilhões. Assim Dilma agora age, diuturnamente e noturnamente, advérbios de tempo dos quais tem abusado por seu exacerbado amor à ênfase, que considera inestimável figura de retórica para dissuadir fascistas, golpistas, coxinhas, zelitistas e que tais.

Este, afinal, é o efeito maligno para o cidadão e as instituições provocado pela compra à luz do sol de apoio no processo de seu afastamento da chefia do desgoverno. Tal comércio, praticado num brechó fuleiro, é ilícito e daninho às instituições republicanas. Pois burla a lei neste episódio grotesco, humilhando a Nação, conspurcando a História do País e também o capítulo reservado a seu Partido dos Trabalhadores (PT), que levou o primeiro operário braçal e a primeira mulher à Presidência. É, por isso, condenável por todos os ângulos pelos quais seja visto.

Primeiramente, a moeda sonante com que ali os dilmistas compram a honra e a consciência dos deputados federais que decidirão se o Senado pode, ou não, abrir processo contra a “presidenta” resulta do recolhimento de impostos arrecadados do cidadão comum. Com a agravante de que este vive a conjuntura perversa da mais dolorosa crise econômica de todos os tempos, com 10 milhões de trabalhadores amargando o desemprego e, portanto, a falta de renda para sustentar a família, depois que o erário foi dilapidado pelos novos donos da República. E se lhes acrescentam mais 200 diariamente. Isso resulta em estatísticas apavorantes: as 100 mil lojas falidas em 2015, as 4,4 mil indústrias paulistas paradas no mesmo período, a renda declinante a rondar o lar de todos os cidadãos, sejam eles patrões ou empregados, contribuintes ou isentos. E tudo isso foi causado por sua política econômica estroina, populista e irresponsável.

Há, em segundo lugar, uma agravante institucional de sérias consequências para a higidez do Estado Democrático de Direito, sob cuja égide a sociedade brasileira pretende conviver. Esta quer é mantê-lo com plena liberdade e mais decência. Segundo se narra do Planalto Central do País, a cúpula palaciana não está comprando apenas o voto de bancadas ou parlamentares a preços ascendentes, por causa da evidência cada vez maior do esfacelamento do desgoverno vigente. Pois o bazar de pulgas morais instalado nos gabinetes do palácio e num quarto de hotel ao lado também está pagando caro pela ausência do votante.

Ao contrário do que se diz – que será necessário a Dilma e seus vassalos conseguirem a adesão de 171 deputados federais na votação final em plenário -, é obrigação de seus adversários (para atender à vontade de, pelo menos, 61% dos patrícios) obterem para a causa do impeachment 342 votos. Quer dizer: para fugir da decisão final de interrupção de seu mandato obtido nas urnas Dilma e o PT precisam que 171 votem contra, declarem abstenção ao votarem ou, em último caso, se ausentem do plenário na hora do voto. Isso quer dizer que quem aceita essa barganha imunda pode imolar sua carreira em troca de dinheiro vivo ou algum emprego público de qualquer escalão. Isso já ocorreu no caso anterior, protagonizado por Fernando Collor de Mello, em 1992: a grande maioria dos que tentaram mantê-lo no poder não mais se elegeu. Mas quem se abstiver ou faltar produzirá o mesmo resultado e cometerá o mais grave dos crimes cívicos: o de faltar à decisão mais importante de seu mandato e da História recente do Brasil. Pois assim jogará no lixo da História a oportunidade de honrar sua representação. Deixará seu representado órfão de representação na democracia que Dilma e seus seguidores juram defender a todo custo.

Os defensores ardorosos da escolha do eleitor, ainda que este tenha sido traído pelo eleito, como é o caso, dizem-se de esquerda e defensores da vontade popular. Mas a experiência mostra que eles devotam imenso desprezo à velha democracia burguesa, inventada pelos barões que a impuseram a João Sem Terra. E aprimorada pelos pais fundadores da Revolução Americana e pelos jacobinos e girondinos na França setecentista. Isso explica o desdém que demonstram ter pelo apego à lei e à ordem. Assim revelam, sobretudo, seu desprezo pela necessidade do convívio pacífico entre discordantes.

Na última vez que ocorreu escândalo de corrupção quase similar a este, no chamado mensalão, perdeu-se a oportunidade de depor Lula para evitar que ele se tornasse um mártir da causa do povo. E este se reelegeu apelando para a divisão dos brasileiros entre “nós” e “eles”, direita e esquerda, povo e zelite, perseguidos e perseguidores, explorados e exploradores, subalternos e tiranos. Agora, mortadelas e coxinhas… Esta divisão impatriótica e maligna expõe a risco a unidade nacional, investindo na calhorda e covarde demagogia da dicotomia entre quem sustenta a máquina pública e quem por ela é sustentado.

O aprofundamento dela é que tornou necessário erguer o muro da cizânia na festa da celebração da independência no último 7 de setembro. E faz agora inevitável o mesmo equipamento para impedir que o ódio mútuo entre quem defende o impeachment para por fim à crise e quem o renega em nome da obediência à vontade manifesta do eleitor há um ano e meio produza uma tragédia indesejável para os todos. Uma República que convive com a compra de apoio particular com o escasso dinheiro de todos e com a construção por presidiários de uma parede que divide duas metades inconciliáveis não é digna da denominação latina que carrega. Pois pode ser tudo, menos uma “coisa pública”.


(*) José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor.

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