Pular para o conteúdo principal

O plano

Quanto tempo temos para viver? Esta é uma pergunta recorrente na cabeça das pessoas. Um ano? Dez anos? Vinte anos? Dez dias? Dez horas? O que garante que logo mais ainda estaremos por aqui, vivos, tomando caminhos, comendo, bebendo, falando, olhando o mar, apreciando as montanhas, fazendo amor ou simplesmente em contemplação? Uma das coisas mais bem feitas pelo Criador, sem dúvida, é esta incerteza quanto ao dia da partida, do momento de ruptura definitiva com o mundo, do mergulho no desconhecido, do abandono a tudo que representa respirar, da constatação final. Felizmente, a data da morte não está marcada - eis aí uma das coisas mais belas da vida!

Renan resolveu inverter esta lógica, ou quis invertê-la. Jovem, 36 anos, ainda com o corpo do atleta que fora na juventude, bem-sucedido, um casamento desfeito e inúmeras relações passageiras, decidiu que não importasse o que sucedesse, morreria no dia 01 de janeiro de 2015, não por coincidência, o dia em que completaria 40 anos. Tomou essa decisão exatamente dois anos antes, concedendo-se, assim, quatro anos até o dia em que iria morrer. 


Foi na festa de reveillon, na casa de amigos, localizada no topo de uma montanha, no Rio de Janeiro, com vista para o mar, em uma animada conversa, que Renan avisou: "- vou morrer daqui a quatro anos!". A festa corria normalmente, bebidas, fogos, gente bonita, música, ceia de primeira, e aquela frase, pronunciada em um círculo que se formara no jardim, onde se podia conversar, sorrir, trocar olhares, sem muita interferência dos sons da festa, soou como um mau agouro, uma ideia boba, um propósito desparatado.


Mas, Renan insistiu e explicou: "daqui a pouco é o meu aniversário de 36 anos. Minha mãe fez o favor de me ter no primeiro dia do ano, para a maioria um momento de festa, alegria e comemoração. Por que, então, não encerrar a minha passagem pela terra neste mesmo dia, fechando um ciclo, com números redondos, num dia onde todos estão alegres, motivados e pouco dispostos a ficar tristes?". Todos protestaram, disseram que aquilo era bobagem, uns até ficaram aborrecidos, deixando a roda, afirmando que ele deveria deixar a natureza percorrer o seu curso. Ao que Renan replicou: "a natureza é burra, ela não vai escolher um método para a minha morte que me agrade, vai me trazer uma doença, me fazer sofrer, ou vai derrubar o avião que eu esteja viajando, dilacerar o meu corpo, me inflingir momentos de desespero, ou vai fazer um assaltante me dar um tiro na cabeça, que pode me fulminar, ou me deixar vegetando durante anos. Não quero isto. Quero escolher como vou morrer e a hora que vou morrer."


A coisa começou a parecer séria para os amigos de Renan, e pouco a pouco entenderam que aquilo não foi pensado naquele instante, que Renan já vinha fazendo um plano mórbido, e que esperara a festa para anunciá-lo. Que o anúncio era parte do que fora decidido pelo amigo.


Alguns ficaram chocados. Claudio, um dos melhores amigos de Renan, protestou: "isso é traição! Você maquinou isso tudo e veio aqui nos jogar na cara que não o teremos mais, e com data marcada!".


Angela, que sempre nutriu um desejo secreto pelo amigo, também protestou, mas, intimamente avaliou: - pode ser que ele queira fazer despedidas. Quem sabe eu entro nessa?


Um a um, foram formando uma corrente contra as intenções de Renan, mas, este estava irredutível. Até que a palavra coube ao seu amigo mais querido, aquele que o conhecia desde pequeno, que num olhar adivinhava as intenções e os próximos passos de Renan, que era como um irmão sanguíneo que Renan não teve: "Eu topo!", disse ele.


- Topa o que, César?, perguntou Hélio, o mais velho dos "quatro mosqueteiros", como se denominavam os quatro camaradas, que passaram a infância, a juventude e boa parte do começo da idade adulta juntos.


- Topo preparar esta partida em grande estilo. Não sei o jeito que você vai querer morrer, mas, sei que vamos passar os quatro anos que vem por aí da forma mais criativa, intensa e divertida possível. Para que você tenha um "gran finale".


Houve quem discordasse, dissesse que estavam ficando loucos, e até quem não desse importância, acreditando que estavam bêbados por causa da festa.


Os quatro mosqueteiros, porém, sabiam que ali tinha sido tomada uma decisão. E que ela seria levada a sério.


(continua na semana que vem, ou quando eu puder)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Com corona ou sem corona, dia 15, eu vou!

Em tempos de corona virus, pode parecer estranho, mas, fica mais importante ainda comparecer à manifestação do próximo dia 15. Contra as tentativas sórdidas de congressistas de alto coturno, jornalistas militantes e parte do judiciário, de usurpar poderes, prejudicar ações, e evitar que governe conforme o mandato que lhe concederam, é preciso demonstrar de forma cristalina que o presidente está, cada vez mais, com apoio popular, e que o desejo de que prossiga com as reformas do Estado, o combate à corrupção e à esquerda tacanha, gananciosa e cretina continua firme e forte. O sistema de governo é presidencialista, e isso já foi decidido há mais de 25 anos, quando se jogou uma montanha de dinheiro fora pra oficializar o que todo mundo sabia. É, portanto, intolerável que um presidente eleito, ainda que pairem dúvidas sobre a lisura do pleito, não consiga dar um passo sem que membros vetustos e caquéticos do STF não só opinem como trabalhem contra ele. Que a imprensa a tudo critiqu

Esposa de aluguel - quem quer?

Gaby Fontenelle, assistente de palco de Rodrigo Faro, no "Melhor do Brasil". No programa, Gaby encarna a personagem "Esposa de aluguel". Grande idéia! Quem não quer uma morena espetacular com essa fazendo todas as suas vontades?

Perda irreparável

Na terça-feira passada, 17, fui surpreendido com uma das piores notícias da minha vida - um dos amigos que mais gosto, um por quem tenho enorme admiração, um irmão que a vida me deu, havia deixado este mundo. A notícia não dava margem a dúvidas. Era um cartão, um convite para o velório e cremação no dia seguinte. Não tinha opção, a não ser tentar digerir aquela trágica informação. Confesso que nunca imaginei que esta cena pudesse acontecer. Nunca me vi  nesta situação, ainda mais em se tratando do Sylvio. A chei que  ele estaria aqui pra sempre. Que todos partiriam, inclusive eu, e ele aqui ficaria até  quando ele próprio resolvesse que chegar a hora de descansar. Ele era assim,  não convencional e suspeitei que, como sempre fez, resolveria também  essa questão. Hoje em dia, com a divisão ideológica vigente e as mudanças nos códigos  de conduta, poucos diriam dele: que cara maneiro! M esmo os que se surpreendiam ou não gostavam de algumas de suas facetas, contudo, tinham essa opinião.