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Fantasmas do passado - o que fazer com eles?

Ter queixas do passado é normal. Quem não lamenta uma decisão errada, uma palavra dita em hora imprópria, uma atitude equivocada, um acontecimento fortuito negativo?

Não creio que exista alguém que não se arrependa do que fez, ignore o caminho que trilhou, ou simplesmente se ache permanentemente certo.

O fracasso, o erro, é apenas um evento. Há, portanto, que reconhecê-lo, e trabalhar com afinco para corrigi-lo. 

Faz parte desta tarefa pedir desculpas, voltar atrás, promover mudanças, e também, olhar adiante, sem ansiar demais.

O bardo William Shakespeare escreveu: "lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente." Concordo, mas, o segredo parece estar em fazer os consertos necessários, não vivenciar problemas que ainda não apareceram e viver com seriedade e sabedoria o momento presente.

E quando somos afetados pelo que os outros nos fizeram?

Não há como viver sem adquirir cicatrizes. Podemos aceitar ou rejeitar a maneira como fomos/somos tratados pelas pessoas, mas só depois de curar as feridas do passado, só depois de encontrar as forças para retirar delas o que causa a dor e aquilo que o mantém atado, preso, não haverá pacificação.

Já fiz muitas catarses, me arrependi, mudei, pedi desculpas, tirei a mágoa e a dor de dentro de mim. É preciso que eu saiba, porém, que este é um trabalho contínuo, que me acompanhará até o último dos meus dias.

Quando estou triste, angustiado, ansioso, ou precisando discutir a relação comigo mesmo, gosto de me socorrer na poesia. Principalmente, quando sei que fui o responsável por infligir a dor.

Os poetas fazem algo que não consigo: são sucintos, são simples, econômicos. Todavia, são completos, plurais, definitivos, simbólicos. Mario Quintana costumava dizer que a poesia é uma loucura lúcida. E é essa mistura que encanta e ensina.

Pra mim, poeta é aquele que consegue exprimir e nos sensibilizar, com exatidão e beleza, o que lhe sussurra a alma.

Não foi outra coisa que encontrei nos versos de um sujeito, que muitos achariam improvável eu ter-lhe admiração, sendo ele economista, administrador de empresas, psicanalista, e, transgênero. Quantos me tem na conta de machista e preconceituoso? Muitos, não duvido. É assim que é vista a maioria dos que tem a minha idade, o meu jeito barulhento, a minha mania de ser gozador. Ok, eu compreendo. Mas, nem todo mundo é o que a gente pensa. 

Assim, sem mais digressões, deixem-me lhes presentear com um poema que conheço há muito tempo, e me refugiei nele, para tentar enfrentar mais um dos fantasmas do meu passado:

"A idade de ser feliz, 
por Geraldo Eustáquio de Souza

Existe somente uma idade para a gente ser feliz 
somente uma época na vida de cada pessoa 
em que é possível sonhar e fazer planos 
e ter energia bastante para realizá-los 
a despeito de todas as dificuldades e obstáculos

Uma só idade para a gente se encantar com a vida 
e viver apaixonadamente 
e desfrutar tudo com toda intensidade 
sem medo nem culpa de sentir prazer

Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida 
à nossa própria imagem e semelhança 
e sorrir e cantar e brincar e dançar
e vestir-se com todas as cores 
e entregar-se a todos os amores 
experimentando a vida em todos os seus sabores
sem preconceito ou pudor

Tempo de entusiasmo e de coragem 
em que todo desafio é mais um convite à luta 
que a gente enfrenta com toda a disposição de tentar algo novo, 
de novo e de novo, e quantas vezes for preciso

Essa idade, tão fugaz na vida da gente,
chama-se presente,
e tem apenas a duração do instante que passa ...
... doce pássaro do aqui e agora 
que quando se dá por ele já partiu para nunca mais!"

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