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Inocência, editorial do Estadão



Lula quer fazer acreditar que “forças antipopulares” decidiram se unir em descomunal conspiração para que ele não volte à Presidência. Haja fé para acreditar nisso
13 Maio 2017 | 03h05


É preciso uma dose cavalar de ingenuidade para acreditar que tudo o que se disse e se soube sobre Lula da Silva nos últimos dias é apenas parte de uma conspiração para impedir que o chefão petista volte à Presidência, como insistem em dizer seus sequazes. A ingenuidade é tanta que, provavelmente, ingenuidade não é.

A esta altura, quem ainda acredita, de coração, nos veementes protestos de inocência de Lula, ou bem considera o petista um santo, e por isso lhe presta inabalável devoção religiosa, ou é simplesmente tolo. A julgar pelo fiasco da mobilização promovida pelos sindicatos em Curitiba para apoiar Lula no dia em que este prestou depoimento ao juiz Sérgio Moro, parece haver cada vez menos gente disposta, voluntariamente, a se abalar pelo ex-presidente, restando em sua torcida somente aqueles que são pagos para defendê-lo, como seus advogados e os sabujos de sempre.

Não é para menos. Os depoimentos do ex-diretor da Petrobrás Renato Duque e do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura colocaram Lula bem no centro do petrolão, o maior esquema de corrupção da história pátria. Decerto há mais por vir – pois ainda não contaram o que sabem os trancafiados Antonio Palocci, ex-ministro, tido como o principal operador petista do esquema, e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, que arrecadava os recursos desviados da Petrobrás e entregava ao partido. Mas o que emergiu até aqui deveria ser suficiente para fazer qualquer pessoa de bom senso e com razoável nível de inteligência pelo menos desconfiar que Lula talvez não esteja falando a verdade quando nega tudo.

O marqueteiro João Santana, por exemplo, disse que Lula estava plenamente informado de que os pagamentos por seus serviços na eleição de 2006, vencida pelo petista, foram feitos por meio de caixa 2. O mesmo aconteceu com Dilma Rousseff, para cujas campanhas de 2010 e 2014 João Santana trabalhou.

Santana disse que toda a negociação era feita com Palocci, mas afirmou que o ex-ministro lhe dizia que nada podia ser feito sem “a palavra final do chefe”, isto é, Lula. Já Mônica Moura disse que recebeu alguns pagamentos em dinheiro vivo, escondido em caixas de sapato, entregues por um emissário de Palocci. Segundo Mônica, houve vezes em que, nas negociações com Palocci, o ex-ministro disse que “tinha que falar com o Lula, porque o valor era alto, e ele não tinha como autorizar sozinho”.

Não foi apenas João Santana quem se referiu ao ex-presidente como o “chefe”. Renato Duque, acusado de ser o principal representante do PT no esquema de assalto à Petrobrás, informou em depoimento que Lula era chamado de “chefe” e “grande chefe” por aqueles que participavam da roubalheira. Além disso, Duque relatou que teve ao menos três encontros com Lula, nos quais, segundo disse o ex-diretor, ficou claro que o ex-presidente “tinha pleno conhecimento de tudo e tinha o comando”.

Lula, é claro, negou tudo no depoimento ao juiz Sérgio Moro. Mas ele não se limitou a negar. Primeiro, desempenhou o triste papel de viúvo de dona Marisa Letícia. Depois, seguindo a linha traçada por sua defesa desde que surgiram as primeiras denúncias de seu envolvimento direto no escândalo, o petista tratou de reafirmar que é “vítima da maior caçada jurídica que um presidente já teve”. Para caracterizar o complô, ele enfatizou que a imprensa “criminaliza” e “demoniza o Lula”.

Com essa disposição de definir seu processo como uma ação arbitrária típica de um estado de exceção, a defesa do ex-presidente já foi até ao Comitê de Direitos Humanos da ONU para denunciar o juiz Sérgio Moro e a Lava Jato. Segundo esses advogados, Lula não teve assegurado seu pleno direito de defesa e existe uma espécie de “gincana” entre delatores para ver quem compromete mais o ex-presidente. “Eu estou sendo julgado pelo que fiz no governo”, disse Lula ao juiz Moro, a título de defesa.

Lula quer fazer acreditar que todas as “forças antipopulares” decidiram se unir numa descomunal conspiração simplesmente para que ele não consiga voltar à Presidência. Dessa conjura participariam dezenas de executivos de empreiteiras e da Petrobrás, marqueteiros, a Justiça, o Ministério Público, a imprensa e, enfim, todos os cidadãos que não são petistas. Haja fé para acreditar nisso.

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